Pesquisando no mapa um ponto onde eu poderia passar a noite numa viagem de carro entre Salvador e Aracaju, a localidade Mangue Seco ativou conexões em minha memória, me levando de volta à infância, ao livro do baiano Jorge Amado, “Tieta do Agreste”. Também nessa época, a homônima novela global batia cartão nas noites lá de casa, onde sentávamos todos frente à telinha para acompanhar a arretada Tieta e suas apimentadas estórias. Eu era muito jovem, uma inocente criança, mas lembro que os marmanjos se encantavam com as curvas e toda sensualidade das atrizes Cláudia Ohana (Tieta quando jovem) e Beth Faria (já mulher feita). De minha parte, o que me atraía de verdade e me enchiam os olhos eram as paisagens daquela vila de pescadores chamada Mangue Seco, no litoral nordestino, divisa entre Bahia e Sergipe.
Portanto, sem pensar muito, decidi conhecer a terra natal de Tieta e mergulhar, aliás, pedalar naquele universo de Jorge Amado. Afinal de contas, estava na Bahia!
Acertei o destino pelo GPS e saí de Salvador bem cedo, pela linha verde, ou estrada do côco. Já perto da divisa com Sergipe, o aparelho indica a saída à direita, numa pista esburacada que em breve se transformaria numa estrada de terra, ainda pior. O caminho parecia muito estranho, então conferi novamente e pude ver que aquela pista daria na praia, mas Mangue Seco ainda distava cerca de 30 km por caminho 4x4 à beira mar. OK, quem tem uma bicicleta no rack de seu carro não precisa de fora-de-estrada! Desse modo continuei ainda mais animado, pois o pedal estava garantido.
Mais meia hora de muito sacolejo e o verde mar se apresentava a mim, dando fim a precária estrada, marcando início desse BTT*. Poucas casas e alguns quiosques frente à praia compõem o povoado Costa Azul. Foi lá que estacionei o veículo, desci a magrela e abasteci os alforjes, tudo sob olhares curiosos dos nativos, certamente não acostumados com a cena que presenciavam.
Últimos detalhes ajustados e saio em direção à praia. Alguns metros pedalados e já percebo o quão será dura a jornada. Maré muito alta, me obrigando transitar próximo da areia fofa e úmida. E a bicicleta bastante pesada. Como resultado, constantes atolamentos e muito desgaste físico para sair do lugar. Levei meia hora e meia para vencer os primeiros 6 dos 28 km previstos.
Resolvi parar, fazer umas fotos e esperar a maré recuar um pouco. Era um dia muito bonito, o céu incrivelmente azul contrastava de forma espetacular com o calmo oceano de pequenas ondas e alvas espumas, que vez e outra chegavam aos pneus da BTT, dando-me um banho salgado. Em situação bem mais favorável, retorno ao selim da bicicleta e aos poucos vamos fazendo as pazes, eu e as ondas, para um pedal menos penoso e mais contemplativo.
Em todo o trajeto pedalei solitário, nenhuma “vivalma” interceptei pelo caminho. Sequer um pescador em sua lida com o mar. Companhia fiel me faziam os coqueiros a perder de vista, a agradável brisa e é claro, céu, mar, areia. Nesse ritmo fui vencendo os quilômetros até avistar novos quiosques e alguns turistas. Sim, chegava à Mangue Seco, exausto, porém feliz. Um pouco de empurra bike pela areia fofa em trechos entre a praia e a vila e já entrava na Pousada Suruby, muito bem recebido pelo proprietário simpático e boa prosa Seu Nequinha. Ali jantei a saborosa comida de Dona Lenir e descansei a noite daquele grande e belo dia.
Mas ainda sobrou tempo para algumas fotografias ao pôr-do-sol. Aquela tarde se despedia diante de mim em momento de pura magia. Satisfeito, endorfinado e com o corpo cansado, despenquei na cama de meu quarto.
Na manhã seguinte, bem cedo, já tomava reforçado café da manhã para enfrentar novamente o percurso do dia anterior. Mas desta vez a maré seria minha amiga. Mesmo sob forte vento contrário e fina garoa, em pouco mais de uma hora de constante e forte pedal, já reencontrava meu carro estacionado, em Costa Azul. E assim me despedi da terra de Tieta do Agreste.
Visitar Mangue Seco foi como um sonho. Encantamento, calmaria, pura paz e beleza. Fica a doce lembrança e certeza da volta, em ocasião de tempo mais dilatado, sem pressas, pois ela definitivamente não combina com aquelas paragens.
* O termo “BTT” nada mais é que a sigla de Bicicleta Todo Terreno. A versão em português para a gringa MTB, ou mountain bike. Em Portugal só se fala assim e nos países de língua espanhola essas magrelas são chamadas de “bicicletas de montaña”. Nada contra o inglês, mas como bom brasileiro que sou, evitarei ao máximo chamar uma BTT de bike por aqui.
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